«Senhora d’Antime. – É uma romagem de máxima nomeada no concelho de Fafe e na parte oriental inteira do districto de Braga. Chama-se-lhe tambem romaria da Senhora do Sol e romaria da Senhora da Misericordia, em virtude do fervor das supplicas e do intenso da fé com que os povos se endereção a esta Senhora, nas faltas de chuva ou de sol.
A imagem da Virgem é de pedra fina (granito metamorphico), com braços postiços, e sem pés nem pernas, nem feitio algum de estatuária, alem do rosto unicamente. Tem outo arrobas de peso, e está collada em um tosco andor antigo de outo arrobas tambem, a que dão o nome de charola da Senhora.
Dá a tradição por apparecida esta imagem no Monte de S. Jorge, entre Fafe e Cepães, e entre a freguezia d’Antime igualmente; monte d’uma boa légua de comprido e meia légua de largo, onde abundão grandes pedreiras de pedra fina (granitos metamorphicos especialmente), d’envolta com granitos effusivos duríssimos, entre os quaes apparecem ás vezes bellos granitos porphyroides; granitos explorados todos incessantemente, e os metamorphicos sobre tudo, para as construcções nas convizinhanças de Fafe em redondo, até uma boa légua ás vezes.
Tambem n’este mesmo monte «de S. Jorge Magno», venera o povo o penedo da pegadinha, em commemoração da crença que tem, das pégadinhas que no dito penedo deixara impressas o jumentinho da Senhora, indo ella uma vez a cavallo por estes sítios.
Celebra-se a funcção da SENHORA D’ANTIME, com vésperas, no 2º domingo de Julho, na sua fréguezia reitoral de Santa Maria do mesmo nome, a um quarto de légua para o sul da villa de Fafe; fazendo-se pela manhã o anniversario das almas, com seu sermão appropriado á festa. No domingo de manhã, pela volta das 10 horas, sahe d’Antime para a igreja de Fafe a procissão da SENHORA, fazendo-se então nesta igreja matriz exposição do Sacramento, com sua missa cantada, e o competente sermão, e pela volta das 6 horas da tarde regressa para a respectiva fréguezia, no meio de numerosíssimo concurso de romeiros, como na sahida d’Antime para Fafe.
Era outr’ora ainda mais galhofeira do que hoje, esta romagem d’Antime: chegava quasi a delírio o affervorado das salvas da companhia de mosqueteiros da procissão, não só na sahida e na volta d’ella, mas sobre tudo no acommettimento de um castello fictício, de propósito erigido para dar mais realce á funcção e para a tornar mais estrepitosa; o castello a final tomado era abrasado em chammas pelos mesmos mosqueteiros, depois de finjido um apparatoso conflito de sitiantes e sitiados, e vencido a final o Rei mouro acastellado. Dá a tradição por origem d’esta finjida peleja, muito victoriada dos romeiros em chusma, a commemoração d’antigos feitos dos povos da localidade na expulsão dos mouros, quando era senhor e povoador de Fafe, nos primeiros tempos de nossa independência, D. Egas Fafes, filho aguerrido do aguerrido D. Fafez Luz, alferes do Conde D. Henrique, primitivo tronco genealógico da nossa dynastia affonsina.
No meio das folias e extravagancias da romaria, tem ficado algumas vezes esmagados alguns dos conductores da charola debaixo do seu excessivo peso. Costumão ser 16 em geral, para pegarem revesados aos oito braços, ou banzos da dita charola da Senhora, os valentões da procissão, valentões que se offerecem com antecipação de um ou dois annos ás vezes, e que não conseguem esta graça especial dos mesarios da Senhora, senão a poder de supplicas, empenhos e sollicitações. Não é todavia a mera ostentação de forças e de robustez de corpo a que assim faz deprecar a graça de carregar com os banzos da charola aos hombros: é especialmente porque têem para si os mancebos da localidade (Fafe e Antime sobre tudo) não serem bem succedidos nos seus casamentos, se não pegarem primeiro ao andor da Senhora. N’essa occasião, para elles da maior expansão de coração juvenil, costumão collocar esses mancebos dos banzos os seus ramos de perpetuas na charola, aos quaes se dá o nome sacramental de pinhas da Senhora d’Antime.»
J. J. da S. Pereira-Caldas (Braga)